O Brasil se esqueceu da poliomielite. A doença, transmitida por vírus e causadora da paralisia infantil, foi erradicada do país, em 1989. Até há pouco tempo, ela só aparecia nas propagandas do Ministério da Saúde, durante as campanhas anuais de vacinação. Mas as pessoas que contraíram pólio no passado estão começando a sofrer novos sintomas, como fraqueza, atrofia em músculos e cansaço. É uma nova doença, mas que tem tudo a ver com o passado: a síndrome pós-pólio.
A síndrome começou a aparecer em proporções significativas nos anos 80. No fim daquela década, a fisiatra Linamara Batistella, diretora da Divisão de Medicina de Reabilitação do Hospital das Clínicas e presidente da Sociedade Internacional de Medicina Física e de Reabilitação, leu trabalhos de pesquisadores americanos e imaginou que os sobreviventes da pólio no Brasil também estariam sofrendo da síndrome. ''Foi aí que comecei a prestar atenção nas queixas de meus pacientes'', diz Linamara. Para o fisiatra Acary Bulle, diretor do setor de Investigação em Doenças Neuromusculares da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), era intrigante receber pacientes que haviam tido poliomielite e agora apresentavam novos problemas musculares e de cansaço. ''Não havia relacionado uma coisa com a outra. Na literatura médica internacional, comecei a encontrar relatos parecidos'', diz. Em 2002, o ambulatório de Doenças Neuromusculares da Unifesp fez uma pesquisa com 52 sobreviventes da pólio. De 2003 a 2004, foi realizada outra, com 167 pacientes. Ambas constataram um dado alarmante: cerca de 70% dos sobreviventes da poliomielite tinham os sintomas da síndrome pós-pólio.
Existem várias teorias que tentam explicar a origem da síndrome. Chegou-se a pensar que o vírus teria de alguma forma resistido no organismo e voltado a atormentar os sobreviventes da doença. Mas a busca pelo poliovírus no sangue dos pacientes mostrou-se infrutífera. Hoje, a hipótese mais aceita é a de que a síndrome esteja relacionada à sobrecarga dos músculos e das articulações. Os neurônios motores sofrem uma espécie de esgotamento, devido ao grande trabalho que tiveram para proporcionar movimentos do corpo perdidos com a infecção do vírus da pólio.
Os sintomas da síndrome são facilmente confundíveis com stress e depressão. As atividades do dia-a-dia passam a se tornar esgotantes, os músculos parecem não agüentar o mínimo esforço. O mais agravante é o total desconhecimento dos profissionais de saúde em relação à doença. A escritora Solane Carvalho, de 42 anos, que mora em Niterói, peregrinou por vários médicos até chegar ao diagnóstico correto. Ela teve poliomielite com 1 ano e meio de idade e ficou com a perna esquerda paralisada. Cinco anos e 15 cirurgias depois, voltou a andar de muletas. Levava uma vida normal, até dirigia. Aos 37 anos, começou a sentir cansaço e muito incômodo nos ombros. ''Tinha distensão muscular com qualquer movimento brusco que fazia. Vivia nas emergências de hospitais e não sabia o que era'', conta Solane. ''Suspeitavam que eu tinha anemia, artrite, depressão. Até a uma geriatra eu fui.'' Demorou dois anos até que Solane se desse conta de que tinha síndrome pós-pólio. Para se sentir melhor, começou a economizar o máximo de energia. Passou, por exemplo, a se locomover em cadeira de rodas há um ano. ''A cadeira me resgatou prazeres, como fazer compras, que eu tinha perdido por causa das dores'', afirma.
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Fonte:http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,,EPT931701-1664,00.html
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